segunda-feira, 29 de março de 2010

Entrevista com Michele Hunt


Compartilho com vocês uma entrevista com a consultora norte-americana, Michele Hunt. Ex-vice-presidente de pessoas na empresa de móveis Herman Miller; foi diretora-executiva do Federal Quality Institute, no governo Clinton e em 1995, fundou a consultoria Vision&Value, especializada em liderança, mudança e eficácia organizacional. Autora do livro DreamMakers (lançado no Brasil em 2002, com o título Fazedores de Sonhos, pela Qualitymark).

Na entrevista, por e-mail, a Revista Melhor, a consultora diz que "ser um catalisador da mudança é a essência da liderança".

Melhor- Existem similaridades que permeiam as histórias de Fazedores de sonhos? A propósito, o que esses líderes visionários têm em comum?

Michele - Cada história é única; cada um tem seus próprios sonhos e desafios. No entanto, aquilo que eles têm em comum é bem mais importante do que aquilo que os diferencia.
Identifiquei dez características que os DreamMakers têm em comum. A mais poderosa, que transcende todas as coisas, é o modelo mental, uma atitude de que tudo é possível. E está enraizada em valores, que conferem a eles uma firmeza de propósito e orientam suas decisões e comportamentos. Mas três características todos têm: Como veem o mundo: eles compartilham um senso de responsabilidade que vai além de suas próprias vidas, se responsabilizam pelo mundo em que vivem e são comprometidos em torná-lo melhor. Seus sonhos são grandes, profundos e à prova de cinismo. São o que eu chamo de "otimistas práticos". Eles percebem claramente a realidade e ainda a confrontam de forma resoluta. Como tratam as pessoas: compartilham uma profunda fé nas pessoas, suas capacidades e potenciais e sua bondade básica. Prezam as relações interpessoais, que estão na essência de tudo o que fazem. E conduzem suas organizações com reverência a todas as relações humanas. Como montam equipes: sabem que somos todos imperfeitos; no entanto, colocam o foco nos talentos e nos pontos fortes das pessoas. Formam equipes que suprem nossos pontos fracos, nos permitindo focar nossos pontos fortes. Entendem o valor da colaboração e da cooperação para o cumprimento de metas, obtenção de resultados melhores e satisfação da nossas necessidade básica de ter um senso de pertencimento.

Melhor - Pesquisas apontam o desenvolvimento de novos líderes como um desafio crítico para as empresas. O que elas podem fazer para desenvolver e reter líderes?

Michele - Eu ocupei posições de liderança em corporação, em governos estadual e federal, e numa pequena empresa. Eu não teria alcançado essa condição sem meus mentores. Os programas podem agregar valor, porém, nada é mais poderoso do que um líder que investe o tempo dele em você, aconselhando-o, sendo "durão" quando necessário e levantando-o quando você cai. Essa dedicação pessoal e orientação impactam e aceleram significativamente o desenvolvimento de líderes emergentes. E também impacta profundamente o desenvolvimento do mentor, contribuindo para o desenvolvimento de lideranças em vários níveis. Acredito que as organizações se beneficiaram imensamente se desenvolvessem as relações de metoring "um a um" e oportunidades de diálogos de grupos de mentores.

Melhor - E como os profissionais de RH podem contribuir para o desenvolvimento de novos líderes ?

Michele- O papel mais importante dos profissionais de RH é liderança e desenvolvimento organizacional. É preciso desenvolver o papel dos profissionais de recursos humanos nas organizações atuais. Acredito que exista uma grande oportunidade para os profissionais dessa área se tornarem catalisadores da mudança organizacional ao descobrirem e desenharem soluções inovadoras para o desenvolvimento de pessoas, líderes e organizações. No ambiente desafiador e mutável em que vivemos, o profissional de RH precisa desenvolver líderes. Se você está no lado operacional do RH(remuneração, folha de pagamento, compilance)ou no lado do desenvolvimento, tudo precisa ser desenhado e alinhado para desenvolver e reter líderes em todos os níveis. Os tradicionais sistemas, processos e programas de RH não são adequados ao ambiente de mudança atual. Nossas organizações não são desenhadas para os seres humanos crescerem e se desenvolverem. O desenvolvimento de pessoas, equipes e lideranças precisa ser o alvo de todos os nossos sistemas e políticas de RH. Na maioria dos casos, as pessoas fazem seus trabalhos a despeito dos nossos sistemas de RH.

Melhor - Como assim?

Michele - Nós encaixamos pessoas nas descrições de cargos que limitam suas capacidades de contribuir com seus talentos em direção aos objetivos organizacionais. Se as pessoas não conseguem usar seus talentos e habilidades, será difícil se tornarem líderes. Nós detestamos dar e receber relatórios de performance, que raramente motivam as pessoas a aprender e a crescer. Eles nos exigem que sejamos bons em tudo, em vez de maximizar nossos talentos e aprendermos a trabalhar com outras pessoas cujos talentos são complementares aos nossos. Reconhecemos e premiamos os "heróis" quando sabemos que ninguém consegue nada sozinho. Trabalho em equipe está no cerne dos grandes conquistas, ainda que dediquemos pouca atenção ao desenvolvimento de times e raramente ensinemos às pessoas as competências necessárias para liderar equipes. Fazemos com que as pessoas sirvam às estruturas, processos e sistemas mais do que colocamos as estruturas, processos e sistemas a serviço das pessoas. Frequentemente, sofremos com a crença errada de que as pessoas são preguiçosas, pouco confiáveis e limitadas, quando, de fato, elas são extraordinárias quando tratadas com a dignidade e respeito e quando se permite que elas contribuam com suas ideias.

Melhor - Isso reforça uma atuação maior do RH...

Michele - Os profissionais de RH podem se tornar inovadores, aconselhando e ajudando as lideranças a criarem um ambiente em que valha a pena as pessoas se comprometerem. Os líderes poderiam detonar o potencial de suas organizações ao acessar mentes, corações e imaginações das pessoas para cumprir a missão, visão, valores e metas. Isso permitiria o desenvolvimento de lideranças. Eu testemunhei e fiz parte de organizações que atuavam dessa maneira. os resultados eram excfelentes sob qualquer métrica: produtos e serviços, satisfação do cliente, performance financeira, e estabelecia uma cultura de alta performance. Tudo porque eram dadas oportunidades para que as pessoas participassem.
Participação faz com que as pessoas se sintam proprietárias e quando mobilizamos esse sentimento coletivamente, o trabalho em equipe e a inteligência coletiva em torno de uma missão organizacional são sempre notáveis. Isso também cria um terreno fértil para desenvolver líderes por todas a organização.

Melhor - E seria um trabalho circunscrito apenas à empresa?

Michele - Acredito que a responsabilidade do profissional de RH não deva se limitar aos muros da organização. Pessoas, famílias, comunidades e organizações estão fortemente conectadas. Quando nossas comunidades são lugares saudáveis para viver e trabalhar, isso se traduz em pessoas, famílias e organizações saudáveis.
Recrutamento e retenção são muito mais valiosos quando "qualidade de vida" é vista como "um bom negócio", quando as pessoas se orgulham do comportamento de sua empresa em termos de sustentabilidade, e quando as pessoas veem suas empresas respeitando famílias e desenvolvendo comunidades. Dessa forma, esse sentimento de orgulho se traduz em comprometimento.

Melhor - Como os líderes e gestores podem lidar com o moral daqueles que não atingem os melhores resultados?

Michele - A maioria das pessoas quer o sucesso, mas muitas vezes nós as colocamos em cargo para os quais elas não estão preparadas. Temos um ótimo colaborador e, então, o promovemos para um cargo de liderar pessoas quando está pouco habilitado para isso.
Em alguns casos, não temos clareza do que é esperado delas ou damos os cargos sem os recursos necessários. Porém , se uma pessoa está realmente falhando, fale com ela. Não espere pelas avaliações de performance, seja franco. Trate-a como adulto, dê a chance de mudar, crescer ou ir embora. No longo prazo, as pessoas gostam da verdade - quando é falada com respeito e dignidade.

Melhor - Quando o conceito de lealdade acabou, os empregados tiveram de tomar as rédeas de suas carreiras. Por outro lado, as empresas têm de lidar com o desafio da retenção de talentos. Existe uma maneira de combinar os anseios dos dois lados?

Michele - Certamente, existe uma solução ganha-ganha: criar um ambiente em que os melhores e os mais brilhantes sejam atraídos para a sua organização. As pessoas querem ser parte de um lugar que as reconheça e as valorize. Querem se juntar a uma cultura que estimule a participação delas por meio de suas ideias e talentos. As pessoas, hoje, são como voluntários. Têm a liberdade de levar seus talentos e dons para outras organizações, especialmente quando a economia está fortalecida. O fator de diferenciação écomo a organização trata as pessoas, e cada vez mais a definição de "pessoas" inclui famílias, comunidades e o meio ambiente.

Melhor - As pessoas querem mais para suas vidas?

Michele - Há cerca de duas décadas vimos uma mudança: de pessoas que trabalhavam 20, 30 anos numa organização para as carreiras múltiplas, com o profissional pulando de lugar em lugar. Parte dessas transformação foi causada pela era do downsizing e parte por conta das pessoas. O resultado incontestável é que as pessoas estão começando a tomar as rédeas de suas carreiras e de suas vidas. Não é somente o trabalho que as define. As pessoas querem mais para suas vidas. Parece haver uma movimentação global de pessoas fazendo perguntas muito profundas: O que é importante para mim? Como eu encontro sentido para a vida? Como eu quero passar o resto da minha vida? São questões que desafiam todos os setores da vida: familiar, da vida em comunidade e no local de trabalho. Em todo lugar, pessoas lutam por um futuro melhor. Ainda que passemos a maior parte da vida no trabalho, decisões sobre onde contribuir com nossos talentos se torna uma questão relevante. cada vez mais pessoas querem que a vida tenha significado. Essa mentalidade crescente está arraigada em valores positivos transcendentais- independentemente de cultura , religião ou circunstância - que incluem : amor, compaixão, um senso de pertencimento, a chance de contribuir com seus talentos para crescer e se desenvolver.

Melhor - E qual é o papel do líder nesse contexto?

Michele - O papel do líder é crucial para criar esse tipo de ambiente. Os desafios atuais demandam um tipo diferente de liderança. Hoje precisamos de líderes que entendam que servir é uma meta honorável. Que tenham respeito profundo e perene por todas as pessoas e um propósito que transceda o egoísmo e a sedução do poder. precisamos de líderes que realmente se importem com as pessoas, com as comunidades e com o meio ambiente. Que tenham a coragem e a convicção para ajudar a criar uma maneira nova e melhor de viver e trabalhar. Quando o líder tem a coragem e a inspiração para atuar assim, todos ganham.


Michele Hunt participará como facilitadora no Congresso RH-Rio 2010, que ocorrerá entre os dias 8 e 10 de junho, no Centro de Convenções SulAmérica, no RJ.

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