domingo, 18 de novembro de 2012

Tudo se compra?

A matéria de capa da Veja desta semana é, no mínimo, intrigante... será que diante de tantos acontecimentos interessantes no Brasil e no mundo, nesta semana, merecíamos ver destacada na matéria de capa a triste notícia da "pobre" moça de apenas 20 anos, que leiloou sua virgindade na internet e , pasmem, conseguiu U$ 780.000,00 por ela! O filósofo Michael Sandel, de Harvard, abre um debate alarmante e importantíssimo: "Estamos virando uma sociedade de mercado? que caracteriza-se pelos valores sociais, a vida em família, a natureza, a educação, a saúde, até os direitos cívicos podem ser comprados e vendidos. Uma sociedade em que todas as relações humanas tendem a ser medidas apenas pelo seu aspecto econômico. Abaixo transcrevo alguns trechos da entrevista: Pergunta: O senhor acha que já vivemos neste tipo de sociedade em que tudo se vende e tudo se compra, sem limites éticos? Michael: Acho que é uma tendência que vem se desenvolvendo desde o começo da década de 80, do século passado. Hoje, muita gente tem fé no pensamento econômico como único instrumento para atingir o bem público. (...) Essa visão isoladamente é limitada e desconsidera os valores morais, as atitudes e as complexidades das relações humanas. Precisamos desafiar esta ideia. O mercado produz riquezas materiais, mas a sua lógica não pode dominar todas as demais relações entre as pessoas. Isso é empobrecedor. P: Em que situações a lógica da economia de mercado pode se tornar perigosa para a sociedade? Michael: Sempre que os mecanismos de mercado são introduzidos em esferas novas da vida, precisamos fazer duas perguntas. A primeira é se a escolha dos indivíduos envolvidos nas transações é realmente voluntária ou se existe um elemento de coerção. No caso da prostituição, precisamos questionar se a pessoa que vende seu corpo é desesperadamente pobre. Sua escolha pode não ser livre de verdade. A segunda pergunta deve ser sobre a degradação e a corrupção de certos valores. Alguém pode opor-se à prostituição dizendo que ela é intrinsecamente degradante. Ela tira o valor da sexualidade e torna a pessoa humana em um objeto, um instrumento de uso e lucro. P: Por que o ato de estabelecer o preço de algo altera o seu valor? Michael: Bem, esse é o ponto central de meu argumento. Muitos economistas acreditam que o mercado não altera a qualidade ou o caráter dos bens. Isso pode ser verdade se falamos de bens materiais (...). Mas o mesmo não ocorre quando nos referimos as relações familiares, amizades, cidadania, justiça, saúde, procriação e educação. Nessas áreas, usar a lógica de mercado pode alterar nossas atitudes em relação a esses bens. (...) P: Isso ajuda a explicar a repulsa ao leilão de virgindade realizado pela brasileira Ingrid Migliorini? Michael: Sim, isso joga luz sobre a degradação envolvida nesse leilão. Essa história é uma ilustração chocante da nossa tendência de colocar uma etiqueta de preço em tudo. Outro exemplo dessa tendência é a compra de votos. Do ponto de vista da lógica do mercado, faz sentido alguém que não se importa com seu voto vendê-lo ao melhor comprador. Mas nós não deixamos isso acontecer, porque não encaramos o voto como propriedade privada, mas como um dever cívico que não deveria estar à venda. P: Enquanto falamos, a mais alta corte do Brasil está julgando políticos governistas que compraram o apoio de partidos e parlamentares para aprovar projetos de interesse do governo no primeiro mandato do presidente Lula... Michael: (...) o fato de ele ter mobilizado tanto a opinião pública mostra que a população quer impor certos limites morais à influência que o dinheiro tem na política e na vida cívica. O mensalão é um exemplo dramático do dano causado quando o mercado é introduzido em áreas às quais não pertence. A reação à venda da virgindade e do voto ilustra a importância de termos um debate público sobre os limites morais do mercado. Precisamos discutir as circunstâncias em que a lógica de mercado efetivamente serve aos interesse público e os domínios dos quais ele deveria permanecer de fora. P: Como podemos saber em quais áreas a lógica de mercado pode atuar por ser útil à sociedade? Michael: (...) nas últimas décadas nós fomos muito relutantes em debater esse tema publicamente. Não podemos mais evitar a discussão sobre o significado dos valores morais e das circunstâncias nas quais eles se degradam. Todas as visões, sejam elas religiosas ou seculares, deveriam ser convocadas para um debate democrático e amplo sobre esse assunto. Sem dúvida, as respostas serão diferentes para a educação e para a saúde, para a vida privada e para a pública.

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